3 de janeiro de 2011

FAXINA NOS MITOS - IDEAL


Boa parte de nossa infelicidade ou aflição nasce do fato de vivermos rodeados (por vezes esmagados ou algemados) por mitos. Nem falo dos belos, grandiosos ou enigmáticos mitos da antiguidade grega. Falo, sim, dos mitinhos bobos que inventou nosso inconsciente medroso, sempre beirando precipícios com os olhos míopes e passo temeroso. Inventam-se os mitos, ou deixamos que aflorem, e construímos em cima deles a nossa desgraça. Por exemplo, o mito da mãe mártir. Primeiro engano: nem toda mulher nasce para ser mãe, e nem toda mãe é mártir. Muitas são algozes, aliás. Cuidado com a mãe sacrificial, a grande vítima, aquela que desnecessariamente deixa de comer ou come restos dos pratos dos filhos, ou, ainda que acorda às 2 da manha para fritar (cheia de rancor) um bife para o filho marmanjo que chega em casa vindo da farra. Cuidado com a mãe atarefada que nunca para, sempre arrumando dobrando as roupas, escarafunchado armários e bolsos alheios sob o pretexto de limpar, a mãe que controla e persegue como se fosse cuidar, não importa a idade das crias. Essa mãe certamente há de dobrar com gestos, palavras, suspiros ou silêncios cada migalhinha de gentileza. Eu, que me sacrifiquei por você, agora sou abandonada, relegada, esquecida?
E por aí vai... Ou o mito do bom velhinho: nem todo velho é bom só por ser velho. Ao contrário, se não acumularmos bom humor, auto crítica, certa generosidade e cultivo de afetos vários, seremos velhos rabugentos que afastam família e amigos. Nem sempre o velho ou velha estão isolados porque os filhos não prestam ou a vida foi injusta. Muitas vezes se tornam tão ressequidos de alma, tão ralos de emoções, tão pobres de generosidades e alegria que espalham ao seu redor uma atmosfera gélida, a espantar os outros.
E o mito do homem fortão, obrigado a ser poderoso, competente, eterno provedor, quando esconde como todos nós um coração carente, uma solidão fria, a necessidade de companhia, de colo e de abraço-quando é, enfim, apenas um pobre mortal.
Falemos ainda do mito da esposa perfeita, aquela da qual alguns homens, enquanto pulam valentemente a cerca, dizem: Minha mulher é uma santa. Sinto, mas nem todas são. Eu até diria que,  mais vezes que sonhamos, somos umas chatas. Sempre reclamando, cobrando, controlando, não querendo intimidades, ocupadas em limpar, cozinhar, comandar, irritar, na crença vã de que boa mulher é a que mantém a casa impa e a roupa passada. Seria bem mais humano ter braços abertos, coração cálido, compreensão, interesse e ternura.
O mito de que a juventude é a glória, demora a ruir, mas deveria. Pois jovem se deprime, se mata, adoece, sofre perdas, angustia-se com o mercado de trabalho, as exigências familiares, a pressão social, as incertezas da própria idade. A juventude-esquecemos isso tantas vezes – é transformação por vezes difícil, com os horizontes nublados e paulatina na queda de ilusões. É fragilidade diante de modelos impossíveis que nos são apresentados clara ou subliminarmente o tempo todo. Enfim, a lista seria longa, mas se a gente começar a desmistificar algumas dessas imagens internalizadas, começaremos aser mais sensatamente felizes. Ou, dizendo melhor: capazes de alegria com aquilo que temos e com o que podemos fazer numa vida produtiva, porque real.

Lya Luft

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